Sobre este
post, a
Isabella, colocou este comentário:
Conto-te uma história (com h, não estória): o pai de uma amiga, no final dos anos 50 tentou dar o salto para França, não havia emprego para ele no Sabugal. Foi agarrado na fronteira lusa e metido na choça. Dois dias depois, foi informado que, se aceitasse ir para Angola, era um homem livre. Ele foi... Sei de n histórias assim, tenho outra amiga, poeta com maiúscula, que traz família, aqui das Beiras, a quem o pão, finalmente, veio de terem aceite ir para os colonatos do caminho de ferro de Benguela. Volto a dizer, não é o meu caso, não me estou a defender (pai + mãe sou 'branca de 7ª' e não houve fome na origem da partida do trisavô). Sabes, o Mia Couto disse uma vez que, em Moçambique, "os brancos pobres eram mais racistas que os ricos". Infelizmente, concordo com ele: era um tempo em que havia mais ricos cultos que agora - parece às vezes... e culto, para mim, é acima de instruído.E eu fico-me a pensar, agradecido pelo contributo. Primeiro, porque lança luz de uma diferenciação necessária, contrariando a generalização dos termos absolutos e a perda que isso representa em termos de (des)aproximação histórica. Obviamente a categoria dos colonos, dizendo alguma coisa em termos de categorização dicotómica face aos africanos da terra ocupada, diz pouco em termos das suas origens, motivações, interface com a realidade colonial e grau de compromisso o imposto e o desejado - com o poder colonial (o taxista de Luanda era uma realidade social muito diferente da figura Jorge Jardim). O fluxo migratório dos colonos era tão diversificado (nas motivações, nas origens, nos projectos) que não cabe em qualquer simplificação categórica - houve os criminosos que povoaram África como cumprimento de penas ou fugindo a elas, houve muitos parecidos com os que rumavam a França, Alemanha ou Canadá, houve os ofuscados pela riqueza fácil e rápida, foram muitos torcionários garantir a perpetuação das fracturas brutais da sociedade colonial, também existiram, até, os que foram para África para fugirem à prisão política e ao ostracismo social e político, etc, etc. Infelizmente, quer a propaganda anticolonial quer a frente da saudade de muitos luso-africanos, persistem, na maior parte das vezes, na absolutização redutora do corpo dos colonos, ocultando a diversidade das árvores através da apresentação da floresta e é asim que se alimentam os estereótipos. Precisamos de análises mais finas, mais parcelares, descer do todo para as partes, enriquecendo a análise e a compreensão. Para isso, deve falar quem sabe e viveu a realidade por dentro. Os contributos singelos e avulsos da
Isabella ajudam. Mas ficam a saber a pouco. Venham mais.
Obviamente que, podendo e devendo ser mais exaustivos na compreensão e diferenciação dos sub-segmentos da categoria dos colonos, interessante historicamente para compreendermos o
nosso papel em África e porque de lá saímos, como saímos e o preço que pagámos e fizemos pagar, a contradição social e política não morava, nunca morou, nessas infra-clivagens.
Face aos africanos, os
donos da terra mas
condenados da terra, ao nível da macro-clivagem, todos os colonos, enquanto dominadores (em maior ou menor grau),
estiveram sempre a mais, porque estiveram, até ao fim, como corpo social, a ocupar terra de outros e incapazes de criarem as condições mínimas de igualdade na condição, na dignidade, na oportunidade, na retribuição e na governação. A verdade é que, até ao fim do império colonial, manteve-se sempre a distinção entre nós e os outros. E os portugueses estavam, estiveram, na terra dos outros. O colonialismo trazia, dentro de si, a incapacidade de resolver esta contradição, quaisquer que fossem as panaceias aplicadas. Nomeadamente após o início das guerras de libertação, a única maneira de fugir ao impasse da ilusão e ao jogo ambíguo nos papéis desempenhados, era assumir a identidade nacional, escolhendo o campo dos movimentos independentistas (e um certo número, embora reduzido, conseguiu fazer o corte e escolher a trincheira africana, assumindo-se, esses sim, como cidadãos africanos e livrando-se da condição colonial). Pena o preço pago pelas ilusões que obscureceram a evidência desta realidade, pelo martírio da guerra prolongada, pela teimosia em tentar prolongar uma realidade insustentável, pelos danos e traumas causados num final dramático, para os portugueses e os africanos, que terminou numa enxurrada humana e no retrocesso no que, apesar de tudo, se foi contruíndo.
Finalmente, quanto à frase citada pela
Isabella e atribuída ao Mia Couto. Se ele disse isso, admito que o tenha dito, disse aparentemente certo mas disse pouco e há um enorme poder de equívoco numa frase que pretende reproduzir uma realidade, enganando-a. A rejeição que se exprime com a sofisticação no lugar da boçalidade, pode ser menos brutal mas é, normalmente, muito mais profunda. E, penso, se vamos pela hierarquização do grau de racismo, podemos fazê-lo mas a cultura será a última coisa a ser chamada à conversa.