
A imagem é dos arquivos do
Virgínio Briote. Foi tirada em 1966, e é uma vista parcial do Cemitério de Bissau com mortos militares portugueses em combate ali acumulados desde o início da guerra na Guiné em 1963.
[Não sei se é do conhecimento geral que, nos primeiros anos da guerra colonial, os corpos dos mortos dos militares portugueses não eram enviados para Portugal a expensas do Estado/Forças Armadas. Por regra, ficavam nos cemitérios das terras africanas e só se as famílias ou subscrições de amigos e vizinhos pagassem as despesas da translação dos restos mortais é que os corpos eram enviados para Portugal para terem funerais e repouso eterno nas suas terras natais. Resultado: os mais desvalidos em posses e em generosidade eram enterrados onde os mandavam combater; os mais validos tinham direito, pelo correspondente pagamento da factura das despesas, a exéquias na sua terra de origem e assistidos pelos seus. Mais tarde, não sei exactamente a partir de que altura, este procedimento foi corrigido e o Estado/Forças Armadas passou a assumir o envio, para Portugal, de todos os corpos dos combatentes caídos na guerra colonial.]Voltando á imagem, não deixa de me arrepiar aquela colecção de campas alinhadas, estupidamente alinhadas, como se estivessem em formatura, como se perpetuassem um serviço de destinados à morte para que colonos continuassem a ocupar terra alheia, mas com o destino marcado de, mais tarde ou mais cedo, uma questão de tempo, de mortos e de teimosia, cederem a posse usurpada aos donos naturais da terra. No interesse exclusivíssimo deles e dos negócios e interesses que viviam das matérias-primas coloniais e do escoamento que as colónias asseguravam a produtos produzidos em Portugal.
Mas a legenda do
Virgínio Briote, antigo combatente na Guiné entre 1965 e 1967, é o melhor epitáfio para a imagem:
Tenho respeito pelas tropas operacionais, que fizeram aquilo que lhes pediram. E muito mais pelos soldados, furriéis, sargentos e alferes milicianos que, sem lhes perguntarem nada, os arrancaram ao trabalho e ao estudo. Espalhados pelas Mafras do País, encaixotados nos comboios, nas camaratas, nos beliches ou nos porões sujos e escuros dos Uíges, de G3 na mão pelas matas, savanas, tarrrafos e bolanhas, corações aos saltos, T6 e Fiats G-91 no ar, helis à procura de locais para pousarem, macas com feridos e mortos, os regressos aos abarracamentos, partir para outra, sempre assim, até ao fim dos dois anos. Viram derreter-se 2 anos da vida deles, a fazerem contas aos dias, dentro do arame farpado, entre abrigos, à luz do petromax, sem frescos, à mercê de tudo, da Dornier, das colunas de reabastecimentos, do valente IN.
Alguns nem chegaram a ir ao Cupilom, saíram dos Niassas, meteram-nos em GMCs, Mercedes, Unimogs e, ala que se faz tarde, estrada fora, a caminho de Nhacra, Mansoa, ou Geba abaixo, Buba a aparecer ao longe. Dois ou três dias depois, parecia que estavam em Bissorã, Mansabá, Cacine, há que meses.
Muito tempo, manga de chatice passada, o caminho do regresso, directos para as lanchas, quando deram por eles, nem acreditavam, era o velho Niassa ou Uíge, outra vez. E, quando chegavam a Lisboa, à terra deles, encontravam gente que lhes faziam perguntas:
- Mataste muitos turras, juntaste algum?
Tempos difíceis que a nossa geração viveu e, valha a verdade, tudo tem sido feito para fazer de conta que nada se passou. E, se calhar é melhor assim, foi só um sonho de uma noite, uma noite que durou 13 anos.