Sexta-feira, 16 de Dezembro de 2005

VIOLÊNCIA SOBRE AS CRIANÇAS

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A frequência com que crianças portuguesas são maltratadas pelos pais, é qualquer coisa que envergonha uma pertença da mesma pátria. Os nossos propagandeados brandos costumes são uma representação pública. Portas dentro, chave a trancar a porta, no domínio do lar (entendido como espaço de poder, muitas vezes levado ao absurdo conceito do absoluto), a barbaridade deste povo ainda bárbaro vem à tona, descarregando na suposta impunidade do espaço privado. As agressões entre cônjuges, o destempero no ambiente caseiro, a violência sobre as crianças, são nódoas demasiado entranhadas e repetidas. Muitos portugueses, demasiados portugueses, são servis e beijoqueiros na praça pública mas bárbaros insanos em suas casas.

Julgo que transportamos duas gangas culturais – uma, a de continuarmos como bárbaros (o passado negreiro está-nos ainda agarrado á pele); outra, a de uma conceptualização clerical-cristã (deus-pátria-família) em que transformámos a família em dogma e em estrutura de poder privativo e liberto dos direitos e deveres públicos e republicanos.

“Entre marido e mulher, não metas a colher”, “Nos meus filhos, mando eu”, “Onde canta galo, não canta galinha”, são alguns dos aforismos que definem formas demasiado persistentes de conceito sobre o poder familiar. Dando-lhe um estatuto privado de domínio e de leis, tentando imunizá-lo ao julgamento público e às regras dos direitos humanos (reservados, quando estão, para a esfera política).

Relativamente a esta nossa barbaridade portuguesa, as mulheres vão, aqui e ali, defendendo-se como podem e sabem. Poucas vezes, mas algumas vezes. Defendem-se ou abdicam de se defenderem. São, de qualquer forma, “escolhas” (na maioria dos casos, escolhas condicionadas) de pessoas adultas. Mas o principal atraso está perante as crianças. Elas são vistas como não autónomas, como seres pré-determináveis. Poucos olham a criança como um outro cidadão, um cidadão para quem temos deveres de sustentar e criar porque o metemos no mundo, mas que, como outra pessoa, não é “nossa” (a propriedade termina na saída do útero). Menos ainda abdicam de os quererem formatar à sua imagem e semelhança, como propriedade privada, no mínimo, espiritualmente. E a dependência de vida é a principal fonte da dependência do poder. Tudo fica a depender, então, do exercício do poder de posse.

Um bárbaro, quando se encontra numa esfera de poder absoluto, é um bárbaro absoluto. Ainda somos muitos, os bárbaros. Como não havíamos de o ser para com os que estão na escala do domínio maior, a tender para o absoluto – as crianças? Assim, os dúplices, os agressivos, os tarados, os infantilizados, os dominadores, os castrados castradores, os de mente criminosa, os da libido desviada para parafilias, os beatos, os redentores, os proféticos, os possessos, usam e abusam das crianças por elas estarem incapacitadas de se defenderem ou sequer responderem. Enquanto, culturalmente, não se erradicar o conceito de posse (física, económica, espiritual) sobre as crianças, como construir um sistema público eficaz para as defender das barbaridades maiores?

publicado por João Tunes às 16:31
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2 comentários:
De odete pinto a 17 de Dezembro de 2005 às 21:48
Aqui é que está o ponto "Enquanto, culturalmente, não se irradicar o conceito de posse (física, económica, espiritual) sobre as crianças, como construir um sistema público eficaz para as defender das barbaridades maiores?"

Ainda há outro grande obstáculo a vencer: indiferença.


De IO a 17 de Dezembro de 2005 às 17:26
Uma criança maltratada, em média, a cada dois dias que passam. Isto, para mim, tem um nome: cobardia. Sempre de cócoras perante os chefes, mas bárbaros perante os indefesos.

Um abraço para ti, João - IO.


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