Segunda-feira, 17 de Setembro de 2007
![capt.sge.mky27.081205235609.photo00.photo.default-380x268[1].jpg](http://agualisa4.blogs.sapo.pt/arquivo/capt.sge.mky27.081205235609.photo00.photo.default-380x268[1].jpg)
De novo atafulhada a casa, onde ficam os textos de arquivo (Outubro 2005 a Dezembro 2005), há que partir para novo poiso. Para
aqui e depois para
aqui, onde actualmente circulo.
Anteriores blogues [a este Água Lisa (4)]:
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Bota Acima;
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Agua Lisa (1);
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Agua Lisa (2);
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Agua Lisa (3).
Saudações do João Tunes.
Sábado, 17 de Dezembro de 2005

Não sou rato. Nem rato branco, nem rato castanho, nem rato negro. E se gosto de queijo, um pedaço de queijo não me vale a alma. Muito menos, me vale o sono. E quem mal dorme, doença de alma tem.
Mesmo que Alegre obedecesse a Jorge Coelho, espetando uma seta de queijo a mandar-me votar em Soares, eu não lhes obedecia. Porque não sou rato. Estou com Alegre, não estou com Coelho, não obedeço nem a Alegre nem a Coelho. Muito menos, estou com ou obedeço a Soares.
Soares, com o PS, fez uma das campanhas mais miseráveis a que assisti. Soares, conhecedor da sua fragilidade de agora, armou-se em avô consuetidinário da esquerda e do socialismo. Mostrou o pior que há em Soares a arrogância, o peso espúrio do seu séquito, a vaidade inesgotável, o conceito da política para si. E repetiu, com Alegre, o que havia feito com Salgado Zenha que é homem para quem a amizade é instrumento de poder e, se o amigo não o for, por a isso não se prestar, é capaz de virar costas e atacar o melhor amigo de ontem. O PS, o pior do PS, a parte estalinista do PS, tentou disfarçar a sua péssima escolha de candidato, em ímpetos autoritários e de intolerância, descarregando sobre o bode expiatório da rebeldia republicana e cidadã (uma das componentes nobres do PS), o seu ímpeto controleirista perante uma escolha que, na sua essência, é unipessoal e não partidária.
Julgo que Alegre não seja homem para obedecer a Jorge Coelho (e aos outros da mesma orquestra). E que vamos a votos. Para ganhar ou para perder. Pensando em ganhar, até ao entornar das vontades nas urnas. Mas se Alegre, dando-me a tristeza da desilusão, resolvesse obedecer a Coelho, eu não obedeceria a Alegre. Porque não mais serei capaz de votar em Soares. Nem sequer para a minha junta de freguesia. Porque não sou rato, nem branco, nem castanho, nem negro.

E que tal uma excursão com muita companhia? Quem vem daí?
(Não é o TGV mas ... tem a vantagem de haver sempre lugar para mais um e mais uma)
Sexta-feira, 16 de Dezembro de 2005

Parece que anda distraída e a leste, mas isso só na aparência. Atenta e certeira, continua
ela. Como costume, aliás.

Da biografia de Artur Augusto Silva, resumida pelo seu filho
Carlos Schwartz:
Artur Augusto Silva nasceu na Ilha Brava, em Cabo Verde, foi advogado na Guiné-Bissau desde 1948, tendo defendido os presos políticos do PAIGC, em 61 julgamentos, um dos quais com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações.
Em 1966, a mando do governador Arnaldo Schultz, foi preso pela Pide, no aeroporto de Lisboa, quando vinha de férias tendo ficado cinco meses na prisão de Caxias. Quando foi libertado, proibiram-no de regressar à Guiné e fixaram-lhe residência em Lisboa.
Em 1976, quando veio visitar o filho a Bissau, o então Presidente Luís Cabral convidou-o a trabalhar como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, tendo também leccionado Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau desde que ela foi criada até 1983, quando faleceu.
Homem de interesses e talentos multifacetados, Artur Augusto Silva também escrevia contos (proximamente a editar em livro por iniciativa dos filhos). Um deles, um conto que nos traz a profundidade da sabedoria africana, escrito em 1962, pode ser lido, em ante-estreia, aqui. Convido-os a lerem-no. É curto e sábio. Como acepipe para a sua leitura, deixo-vos esta frase a que nenhum cidadão devia ser estranho:
Aquele que só ama os que pensam como ele, não ama os outros, antes se ama a si próprio.
[Imagem: O general colonial-fascista Arnaldo Schultz em pose de parada. Foi governador e comandante-chefe da Guiné (onde fez guerra de terra queimada, que custaram número elevado de baixas no Exército português, com o único resultado de acelerar a progressão da guerrilha) e depois, substituído, em desespero de causa, por Spínola. Depois da tragédia do beco-sem-saída que provocou na Guiné, Schultz foi castigado por Salazar através da sua promoção a Ministro do Interior e a quem competia a supervisão da PIDE. (a foto original é de Virgílio Briote)]

A frequência com que crianças portuguesas são maltratadas pelos pais, é qualquer coisa que envergonha uma pertença da mesma pátria. Os nossos propagandeados brandos costumes são uma representação pública. Portas dentro, chave a trancar a porta, no domínio do lar (entendido como espaço de poder, muitas vezes levado ao absurdo conceito do absoluto), a barbaridade deste povo ainda bárbaro vem à tona, descarregando na suposta impunidade do espaço privado. As agressões entre cônjuges, o destempero no ambiente caseiro, a violência sobre as crianças, são nódoas demasiado entranhadas e repetidas. Muitos portugueses, demasiados portugueses, são servis e beijoqueiros na praça pública mas bárbaros insanos em suas casas.
Julgo que transportamos duas gangas culturais uma, a de continuarmos como bárbaros (o passado negreiro está-nos ainda agarrado á pele); outra, a de uma conceptualização clerical-cristã (deus-pátria-família) em que transformámos a família em dogma e em estrutura de poder privativo e liberto dos direitos e deveres públicos e republicanos.
Entre marido e mulher, não metas a colher, Nos meus filhos, mando eu, Onde canta galo, não canta galinha, são alguns dos aforismos que definem formas demasiado persistentes de conceito sobre o poder familiar. Dando-lhe um estatuto privado de domínio e de leis, tentando imunizá-lo ao julgamento público e às regras dos direitos humanos (reservados, quando estão, para a esfera política).
Relativamente a esta nossa barbaridade portuguesa, as mulheres vão, aqui e ali, defendendo-se como podem e sabem. Poucas vezes, mas algumas vezes. Defendem-se ou abdicam de se defenderem. São, de qualquer forma, escolhas (na maioria dos casos, escolhas condicionadas) de pessoas adultas. Mas o principal atraso está perante as crianças. Elas são vistas como não autónomas, como seres pré-determináveis. Poucos olham a criança como um outro cidadão, um cidadão para quem temos deveres de sustentar e criar porque o metemos no mundo, mas que, como outra pessoa, não é nossa (a propriedade termina na saída do útero). Menos ainda abdicam de os quererem formatar à sua imagem e semelhança, como propriedade privada, no mínimo, espiritualmente. E a dependência de vida é a principal fonte da dependência do poder. Tudo fica a depender, então, do exercício do poder de posse.
Um bárbaro, quando se encontra numa esfera de poder absoluto, é um bárbaro absoluto. Ainda somos muitos, os bárbaros. Como não havíamos de o ser para com os que estão na escala do domínio maior, a tender para o absoluto as crianças? Assim, os dúplices, os agressivos, os tarados, os infantilizados, os dominadores, os castrados castradores, os de mente criminosa, os da libido desviada para parafilias, os beatos, os redentores, os proféticos, os possessos, usam e abusam das crianças por elas estarem incapacitadas de se defenderem ou sequer responderem. Enquanto, culturalmente, não se erradicar o conceito de posse (física, económica, espiritual) sobre as crianças, como construir um sistema público eficaz para as defender das barbaridades maiores?

Deixou-nos há cinquenta anos o primeiro Prémio Nobel português. Num país só com dois destes prémios (o de Egas Moniz, da Medicina e o de José Saramago, da Literatura), até parece que os temos por aí ás centenas, a julgar pela forma modestíssima, quase silenciosa, como a efeméride passou com pequeno rasto.
E julgo que esta forma de nos apoucarmos, por má ou nenhuma estima por quem se destaca, com mérito reconhecido, é uma evidência de como nos auto-apoucamos como povo. De poucos nos orgulhamos para além dos cromos da bola. Mais do que isso, pela tendência para a queixa, quando não lamúria, preferimos falar e lembrar as nossas misérias e desgraças. E como estas não são poucas, nelas nos gastamos e com elas nos envergonhamos.
Egas Moniz, como político (que o foi, interventivo e a marcar várias épocas) e como médico-cientista, foi uma das grandes figuras nacionais (como neurologista, foi e é uma celebridade mundial) pela sua dimensão e pela forma polémica e com percursos sinuosos, como interveio nessas áreas. O seu percurso político tem fases de progressismo e recessões ultramontanas de conservadorismo serôdio e propensão autoritária. A sua actividade científica e as suas práticas como médico neurologista, que lhe valeu o Nobel é não só elogiada como altamente contestada, em que muitos exigem até que o Prémio lhe seja, postumamente, retirado (por causa das vítimas da lobotomia).
Recomendo a consulta do blogue que o
Manuel Correia dedica à vida e obra do
Professor Egas Moniz.
Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2005